A escritora Nara Vidal lança novo romance e também é uma das tradutoras da Editora Lume
- Editora Lume
- 14 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de abr. de 2024
Entrevista de Nara Vidal para Editora Lume:
Como definir a escritora Nara Vidal? E qual o papel e importância da literatura para esta definição?
Nara Vidal: É curioso porque acho que um escritor pode ser muito mais amplo do que uma definição. Gosto de pensar que a definição, na verdade, pode ser uma demanda externa, do leitor, mas não necessariamente do escritor. Eu não conseguiria definir a minha escrita. Talvez haja um ponto de interseção entre alguns textos, a maioria, que é uma repetição de temas associados à mulher ou a condições e estados de miséria e degradação do ser humano. Isso pode ser sobre violência, machismo, racismo. Mas não são os temas que me orientam na escrita. É algo mais minúsculo. Do pequeno para os desdobramentos. Dos gestos para a forma. Acredito no risco e acredito na tentativa de experimentar quando se trata de arte e criação. O contrário é o conforto, tanto de quem faz quanto de quem aprecia. O conforto é preguiçoso e, pela própria natureza, não sai do lugar.

Poderia falar um pouco sobre Puro, livro que está sendo lançado pela Todavia? Do que trata e qual foi a dificuldade em escrevê-lo? Há uma ligação com Eva, seu livro anterior? Quais semelhanças e diferenças?
Nara Vidal: Puro é uma novela. É um romance curto que tem uma forma diferente do que escrevi até aqui. Tem uma velocidade e uma dinâmica entre as personagens que permitem a esse narrador meio misterioso nos dizer o que falam, o que pensam, o que sentem as figuras que habitam a cidade onde se passa a trama. O pano de fundo, ou o pretexto pra contar a história, é o movimento eugenista no Brasil, iniciativa apoiada e estimulada pela própria Constituição e que motivava a população brasileira a trabalhar e zelar pelo branqueamento e pureza do seu povo. Tudo com o apoio sólido da Frente Integralista, que foi o nosso movimento mais descaradamente fascista, ou com traços fascistas mais óbvios. O Puro em nada se relaciona com o Eva, a não ser que quem assina a autoria sou eu. É a isso que me refiro a não conseguir definir a escrita. Gosto de transitar e não estar associada a temas ou formas. Pra mim, não é só a temática que pode variar; é o conjunto de elementos estéticos do texto. Isso, essa liberdade, me dá vontade de escrever.
Sobre A Aloe, livro que está sendo lançado pela Editora Lume, no qual você foi tradutora, não é o primeiro trabalho em que traduziu Katherine Mansfield, escritora densa e maravilhosa. Qual a ligação que tem com sua literatura?
Nara Vidal: A Katherine Mansfield, para um público mais geral, sofre de certa desatenção. Eu me refiro a ela ser frequentemente engolida por Virginia Woolf, sua contemporânea e infinitamente mais conhecida. As duas tiveram uma amizade complexa, com períodos de distanciamento e outros de muita proximidade e até cumplicidade. Mas havia uma tensão entre elas, qualquer espécie de competição ou algo assim. O fato é que Mansfield é dona de alguns dos melhores contos já escritos. A sua experimentação com a estética Modernista traz nuances novas e que quebram com o tradicional de um jeito extremamente elegante e perspicaz. Eu espero e torço para que ela seja cada vez mais lida e que se faça justiça ao valor literário das suas obras. Ela é absolutamente genial!

Um tópico sobre o qual acho fundamental você falar: literatura realizada por mulheres finalmente ganhando visibilidade e difusão. Poderia analisar este momento?
Nara Vidal: A literatura escrita por mulheres vai se fortalecendo por motivos muito nítidos: as mulheres vão tendo cada vez mais oportunidade de Educação, de posicionamento de opiniões e de, finalmente, poderem escrever sobre o que querem e sobre o que querem ler. Tradicionalmente, a literatura quando era fortemente dominada por homens, olhava a produção literária de mulheres como menor, à margem, como literatura de mulherzinhas ou com temáticas domésticas, melodramáticas. Já agora somos nós, munidas da responsabilidade que é saber o próprio valor e papel, que nos perguntamos sobre valores antes inquestionáveis de textos escritos por homens. Destaco ainda a imensa e forte movimentação das escritoras contemporâneas que produzem cada vez mais e melhor. Um momento de brilho, de força, de potência e um momento sem volta.